Segundo Cárlos Fávaro, “as eleições acabaram e o momento é de trabalhar e dar resultado”.
Em seu primeiro dia de trabalho após retornar de um período de descanso com a família, o ministro da Agricultura Carlos Fávaro recebeu a equipe do Agro Estadão em seu gabinete em Brasília. “Não tirei férias! Não completei um ano no ministério e não tenho direito a férias”, ponderou o paranaense, que se afastou algumas vezes do cargo para participar de votações no Congresso Nacional, como senador eleito pelo PSD.
Durante quase uma hora, falou sobre os desafios que o produtor rural enfrenta neste ano e o que o governo federal pretende fazer para minimizar os impactos de uma crise provocada pelas perdas nas lavouras e competitividade no mercado internacional. Antes da gravação, estava ansioso para receber o telefonema do presidente Lula. “Só atendo ele, mais ninguém”. A ansiedade se justifica – ele queria confirmar os detalhes do plano de auxílio anunciado no dia 2 de fevereiro.
Na entrevista, Carlos Fávaro também se posicionou sobre a lei que institui o marco temporal para demarcação de terras indígenas. Pela lei, o indígena tem direito à propriedade da terra se estava nela até 1988. Fávaro defendeu aumento no valor do seguro rural para R$2 bilhões e comemorou a conquista de mercados relevantes para produtos agropecuários brasileiros como México, Israel e Egito. Acompanhe a entrevista.
Agro Estadão – Vamos começar com um balanço do ano safra 22/23 e a projeção para 2024. Qual a avaliação?
Carlos Fávaro – A safra 2023/2024 foi uma safra recorde, apesar dos problemas climáticos no Rio Grande do Sul, o brasil teve ótima performance. Conseguimos reconectar o Brasil com o mundo, restabelecer os laços de amizade e de parcerias comerciais, então foi um ano de muitas oportunidades abertas. Ao todo, 78 novos mercados foram abertos para o agronegócio – um recorde anual histórico. E mercados importantes, como o da carne bovina e suína para o México, que comprava dos Estados Unidos. Nós passamos 20 anos em busca disso. Tivemos o mercado do algodão para o Egito. Não que seja um grande consumidor, mas é um mercado que tem a credibilidade do melhor algodão do mundo.Foi um ano muito bom, diferente do que estamos prevendo para 2024.
Agro Estadão – E aí a gente entra na questão do crédito, no acesso. O Ministério da Fazenda, e o ministro Fernando Haddad estão sensíveis a respeito disso?
Carlos Fávaro – Nós estamos vivendo uma crise muito grave de quebra de produção e preços achatados. O estoque mundial de soja está muito confortável, talvez teremos 15 milhões de toneladas a mais. E por isso, os preços vão achatar. Estamos nos antecipando para não deixar a inadimplência chegar. Estamos alinhados com o Aloizio (Mercadante, presidente do (BNDES), com o Haddad (Fernando, ministro da Fazenda) para oferecer soluções imediatas ao produtor para que ele supere rapidamente essa crise e em 2025, volte a ter uma safra de bom preço.
Agro Estadão – O senhor tem falado sobre mudar, falando em juros, equalização, né. Hoje existem cerca de 21 instituições financeiras, algumas não conseguem operar da melhor maneira, como se gostaria, como o setor precisa. Há uma movimentação nesse sentido e também para ampliar a questão da operação pela instituição financeira?
Carlos Fávaro – A pulverização do crédito, por conta do leilão exigido pelos órgãos de credores, tem dois lados. O positivo é que há mais oportunidade e concorrência para os produtores acessarem com as 21 instituições financeiras operando o Plano Safra. Mas com essa pulverização, bancos sem tanta capilaridade ficaram com recurso disponível e sem clientes. Já em bancos com grande operação, como o Banco do Brasil, os recursos acabaram muito rápido. Vai ter remanejamento, sim, para que o dinheiro que está parado chegue ao produtor. E para o futuro, vamos achar um meio termo para evitar que tenha recurso sobrando num banco e faltando em outro. Mas a pulverização é importante.
Mercosul
Agro Estadão – Produtores de leite reclamam da falta de incentivo à produção e das medidas de abertura para entrada do produto importado. O que o setor pode esperar?
Carlos Fávaro – Tomamos várias medidas durante 2023 para conter a crise desse setor. Uruguai e Argentina, com dificuldade para vender a China, venderam o leite para o Brasil e isso impactou muito. Mas nós não podemos quebrar o acordo do Mercosul, porque temos uma balança superavitária. Vendemos tecnologia, linha branca e se quebrarmos o pacto, a China ocupará esse espaço. Foi determinação do presidente Lula: auxiliem os nossos produtores. Tomamos medidas de contenção da chegada dos produtos estrangeiros, taxação de produtos de todos os outros lugares, menos do Mercosul. Incentivos fiscais a empresas que compram produtos genuinamente brasileiros, e isso vai surtir efeito na formação de preços agora. Outra medida foi a linha de crédito para as cooperativas. Mesma medida que o presidente Lula deve tomar com os produtores de grãos e pecuaristas que sofreram com a estiagem.
Estamos pensando em medidas estruturantes para aumentar a rentabilidade do produtor, com mais tecnologia, aumento do consumo de lácteos, tanto em programas sociais do governo como na cesta básica. Mas não podemos quebrar o acordo
Seguro rural
AE – O senhor tem feito reuniões com uma equipe técnica para melhorar o seguro rural e deixá-lo mais acessível e até mais barato. O que tem nessa direção?
CF – O seguro rural é um instrumento importante, ainda mais nesses momentos em que as crises climáticas se acentuaram. Há algum tempo, tinha quem questionasse se realmente estavam acontecendo as mudanças climáticas. Hoje não dá pra defender essa tese de que não estamos vivendo mudanças climáticas. Nós precisamos inovar no seguro rural, com uso de algoritmos, de tecnologia (Inteligência) Artificial, de cruzamento de informações, de tecnologia e informações climáticas para saber qual melhor hora, variedade, qual ciclo plantar para fugir das intempéries. Esse receituário agronômico fornecido pela seguradora, com cruzamento de informação certamente barateia. Aí eu faço uma apólice mais barata pra você. São tecnologias importantes e já temos um grupo trabalhando nisso para que no próximo plano safra, o seguro agrícola seja barateado e ampliado.
“O ministro Haddad já se mostrou favorável e compreende, mas não adianta compreender se não tem dinheiro”Carlos Fávaro – sobre o aumento no valor do seguro rural
AE – Previsão de algum teto? O senhor falava em R$ 2 bilhões…
CF – Historicamente, o governo vem nos anos anteriores, com subvenção em torno de 1 bilhão. Nós recebemos um orçamento de 2022 para 2023 em torno de 1 bi que foram aplicados no seguro rural, mas o custo de produção subiu e o risco da empresa tomadora do seguro também aumentou. Portanto esse 1 bi não é suficiente e nós estamos pleiteando 2 bilhões para o seguro rural. Eu quero muito aumentar e o ministro Haddad já se mostrou favorável e compreende, mas não adianta compreender se não tem dinheiro. Então, vamos pensar em tecnologia e, se possível, aumentar recursos para subvenção.
AE – Além disso, mais algo que o senhor pode adiantar em relação ao próximo plano safra?
CF – Seguir a experiência adquirida, o que nos garante antecipar os problemas, tomar medidas mais rápidas, para que os produtores sintam o menos possível essa crise de preço e de produção. Passem o ano de 2024 com uma acomodação e voltamos a crescer e fazer dessa agropecuária cada vez mais forte. Sem contar a importância de continuar olhando os mercados internacionais, a abertura de novos mercados vai continuar existindo. E incremento de área com sustentabilidade. Já foi criada a implementação da IPLF – Integração Lavoura, Pecuária e Floresta, com previsão de recursos do governo federal, iniciativa privada e captação de recursos internacionais com juros acessíveis.
Pesticidas
AE – Houve alguns vetos presidenciais na chamada Lei dos Agrotóxicos. Sabemos que é um tema sensível para a sociedade. Como está essa conversa com a presidência?
CF – É uma lei que demorou 24 anos para ser aprovada. Enfim, o relator compreendeu a necessidade de modernizar a legislação para termos moléculas efetivas e seguras. Eu não quero, de forma alguma, usar princípios ativos antigos e cancerígenos nas minhas propriedades. Mas temos que entender que o pesticida é necessário num país tropical, porque se (o clima) é bom para produzir, é bom para as pragas (se desenvolverem). Eu quero cada vez mais o uso de biológicos, e para isso precisamos de um programa de incentivo. Eu garanto a você que nenhum técnico aqui do ministério ousaria aprovar uma nova molécula se o ministério da Saúde, a Anvisa, não recomendasse essa aprovação porque poderia fazer mal ao ser humano, ou se o IBAMA considerasse que faria mal ao meio ambiente. Um dos artigos da lei diz que nenhuma nova molécula pode ser aprovada se não cumprir requisitos suficientes das já aprovadas. Ou seja, só pode ter novas moléculas melhores. O processo continua tendo participação da Anvisa e do Ibama, mas precisa ser liderado pelo ministério que vai conduzir para dar agilidade ao processo. Talvez alguns reclamem que teve veto do presidente, mas o Congresso ainda pode trabalhar isso e o diálogo com o governo.
AE – E a sociedade pode ficar tranquila, de uma vez por todas, que há fiscalização e que é seguro o que chega à mesa?
CF – O mais importante, tem um artigo na lei que é o principal de todos: nenhuma nova molécula pode ser aprovada, se ela não cumprir requisitos melhores do que os já existentes. Tudo o que for aprovado daqui pra frente é melhor do que já existe. Só este artigo pra mim já justifica a própria lei.
Novos mercados
AE – O senhor já falou um pouco sobre novos mercados. Como está a questão das relações comerciais, manutenção dos antigos mas não menos importantes como China, União Europeia, e essa dependência do mercado asiático chega a incomodar?
CF – Eu não diria dependência, diria que é uma oportunidade. Se eles estão aumentando o consumo, a gente está aqui pra fornecer. As relações com o Oriente Médio estão maravilhosas. Somos o único país no mundo que pode vender frango para Israel, que é um mercado pequeno, mas exigente. Israel tem 10 milhões de pessoas, mas é o maior consumo per capita no mundo com 67 quilos por ano. E o nosso modelo de habilitação possibilita segurança religiosa. Daqui a pouco, todo judeu no mundo vai começar a priorizar a carne de frango com esta marca brasileira e essa certificação. É um capítulo expressivo da nova indústria brasileira que foi lançada pelo presidente. A indústria do agro vai ter papel muito importante para cumprir a vocação não só de produzir matéria prima e exportar, mas industrializar e agregar valor aos produtos oriundos do agronegócio brasileiro.
AE – E nossos plantéis estão seguros?
CF – O Brasil produz 40% do frango consumido no mundo e é um dos quatro países que não tem gripe aviária nos plantéis comerciais. Isso graças ao sistema de defesa interligado entre União, estados e municípios e, principalmente, aos produtores competentes que sabem seu papel.
AE – E como está a relação com Argentina, com a chegada do Javier Milei à presidência? Já conversou com ele?
CF – Discurso existe na hora da eleição, mas na prática, o bom relacionamento é importante para os dois. Em breve teremos reuniões, encontros.
“Não existem duas agriculturas, mas o pequeno produtor precisa mais da mão amiga do Estado”.Carlos Fávaro, sobre a recriação do Ministério do Desenvolvimento Agrário
AE – Como fica a coordenação do tema agricultura com a volta do Ministério do Desenvolvimento Agrário, e a própria Conab, que saiu do guarda-chuva do Ministério da Agricultura, tendo uma gestão compartilhada?
CF – Não existe política agrícola sem uma companhia de apoio à comercialização, e cada ministério tem o seu papel. Eu sempre defendi a recriação do Ministério do Desenvolvimento Agrário. Não existem duas agriculturas, mas o produtor pequeno mais da mão amiga do estado ao seu lado, de crédito mais barato, apoio tecnológico – mais até que o médio e grande produtor. Ele não tem condição de contratar engenheiro agrônomo para fazer assistência individual, ou um técnico ambiental para fazer a regularização ambiental. Eu vivi na pele a ausência do poder público de um estado, de um ministério para apoiar, quando cheguei em Mato Grosso há 40 anos num município de reforma agrária. Por isso, a decisão de recriar o MDA foi acertada. Nós trabalhamos unidos para construir políticas públicas para agricultura familiar e empresarial juntos. Assim como o ministro da pesca. São três ministérios que foram apartados, mas que trabalham juntos e esse é o grande segredo do modelo de gestão.
Agro x Lula
AE – O setor entendeu a relação com o governo Lula? O senhor está satisfeito com essa relação?
CF – Gradativamente. Primeiro temos que respeitar o momento eleitoral, vivemos em uma democracia e as pessoas podem se manifestar, apoiar, financiar dentro dos limites legais a candidatura daquele que ele gosta ou que pensa que vai dar certo. Mas para nós, as eleições acabaram e o momento é de trabalhar e dar resultado. Gradativamente as respostas acontecem e as pessoas começam a criar consciência que aquilo que elas esperavam que não seria tão bom ela começa a ver que é bom. Fizemos o maior plano safra da história, estamos abrindo mercado e atentos à crise. Estamos ficando mais perto do setor.
Reforma Tributária
AE – Um tema importante para 2024 é a Reforma Tributária. Como o ministério da Agricultura vai atuar nas discussões em torno das leis complementares?
CF – Acho que o agro ficou muito bem atendido, foi compreendido pela equipe do ministro Haddad que esse setor da economia que é altamente exportador não pode carregar nos seus produtos um excesso de carga tributária. Isso passa a ser exportar empregos e oportunidades. A regulamentação agora faz parte do diálogo e tenho certeza que vamos fazer algo equilibrado para garantir competitividade e que o setor cumpra seus compromissos com a nação pagando impostos.
Marco Temporal
Um tema muito sensível para o setor é o Marco Temporal, qual o seu posicionamento em relação a essa questão?
CF – Nós temos que procurar a convivência harmoniosa. “Se o Estado precisa acomodar indígenas em alguma propriedade, que indenize pelo valor comercial, em dinheiro, à vista, àquele proprietário que tem a sua escritura, a sua posse. É possível dialogar sem transgredir a legislação e acomodar sem excesso”. Não dá para tapar os olhos e não ver a tristeza que é irmãos índios morrendo de fome, crianças indígenas morrendo de fome. Políticas públicas para os indígenas brasileiros precisam ser tomadas. Mas o poder público não pode desfazer o que já fez. Se alguém tem um título de propriedade que foi fornecido pelo estado não pode sofrer expropriação. Se o Estado precisa acomodar indígenas em alguma propriedade, que indenize pelo valor comercial, em dinheiro, à vista, àquele proprietário que tem a sua escritura, sua posse. Temos que entender que é possível dialogar sem transgredir a legislação e acomodar sem excesso. Eu acho que caminha para pacificar definitivamente esse tema.
AE – O setor reclama muito da insegurança jurídica…
Na verdade, se o Estado precisar de terra para acomodar indígenas e ele indenizar por valor venal, à vista, o máximo que o produtor perde é o amor pela propriedade, mas não perde dinheiro e é isso que não pode acontecer.
“Se o Estado precisa acomodar indígenas em alguma propriedade, que indenize pelo valor comercial, em dinheiro, à vista, àquele proprietário que tem a sua escritura, a sua posse. É possível dialogar sem transgredir a legislação e acomodar sem excesso”.Carlos Fávaro – ministro da Agricultura
AE – Para encerrar a nossa conversa, eu gostaria de saber qual o legado que o ministro Carlos Fávaro quer deixar como assinatura à frente do Ministério da Agricultura?
CF – Eu venho após excelentes ministros. Encontrei um ministério muito bem arrumado, com técnicos muito competentes e dedicados, que fizeram o Brasil dar esse salto na produção de qualidade. Não venho com grandes mudanças na gestão, mas quero ser considerado um ministro contemporâneo, eu sou um pouco a frente do seu tempo, que ousou dizer que podemos produzir cada vez mais respeitando o meio ambiente que é a galinha dos ovos de ouro, afinal ninguém produz sem chuva, sem sol. Um ministro que proporcionou a consciência de que as pessoas são importantes para o meio ambiente, e o meio ambiente é importante para as pessoas. O Ministério da Agricultura cumpre um grande papel de acabar com essa divergência, poder falar com índios, ambientalistas e produtores rurais, todos por uma produção mais sustentável.